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“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”

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No começo desse mês, voluntários da área da psicologia e psicopedagogia se uniram e embarcaram para Boa Vista em uma caravana que tocou o coração de todos os envolvidos. Dessa experiência marcante, caravaneiros puderam expressar no auge de seus sentimentos, todo o turbilhão de sensações que vivenciaram e que jamais esquecerão. Por aqui, seguimos gratos e esperançosos de que estamos, todos juntos, no caminho certo do amor e da fraternidade <3

 

Quando recebi o convite para participar dessa caravana, aceitei imediatamente. Fui envolvida por uma vontade enorme de ajudar os refugiados venezuelanos. Porém, neste meio tempo me questionava, será mesmo que poderei ser útil atendendo as pessoas apenas uma única vez?
Mesmo desconfiada, vim. E hoje está difícil ir embora. Conheci pessoas que não quero deixar para trás. Pessoas como a Maria*, uma mãe de 28 anos que perdeu uma filhinha de 5, na Venezuela, por dengue. Vendeu tudo que tinha, inclusive seu cabelo, para conseguir o dinheiro para a passagem. Ela veio com o marido e seu filho de 2 anos. Com a sua depressão, seu casamento começou a se desestabilizar e o filho a apresentar problemas de comportamento. Foi possível fazer a intervenção no casal, trabalhar a psicoeducação sobre o transtorno e trabalhar com os pais sobre o comportamento da criança. Além disso, conseguimos correr atrás de atendimento médico para tratamento com antidepressivos. Sim!! Foi muito possível a intervenção como psicóloga em diversos casos! Em outros,  porém, a intervenção foi só de gente humana mesmo. Um abraço e um ouvido para o senhor José* que há dias estava sem conversar com ninguém. Veio sozinho tentar um emprego (esse atendimento foi fora do Centro de Acolhimento da FSF). No coração, levarei todos. Mas saio com a esperança de levar literalmente alguns comigo, em breve. Saio, também, levando muita gratidão. À Deus, à FSF, à equipe tão querida dessa caravana e a todos aqueles que abriram seu coração e compartilharam comigo a sua história. Muito obrigada!
Lidia Prata 

*nomes fictícios para preservar a identidade dos atendidos


“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Carl Jung 
Essa frase de Carl Gustav Jung nunca teve tanta ressonância no meu fazer profissional quanto na minha experiência de atendimento aos refugiados. Quando contei há algumas pessoas do trabalho da Psicologia em Boa Vista com os refugiados Venezuelanos, muitos não entenderam, alguns tentaram entender e outros sequer deram importância. Dentro destas três vertentes de pensamento dos irmãos brasileiros sobre os “refugiados no Brasil”, percebi, na prática, o impacto disso na vida desses que saem do seu país, mortos de fome, em busca apenas da sobrevivência. Dentro de uma barraca, que serviu de consultório durante alguns dias, vi e ouvi um “desfilar” de histórias inimagináveis, onde o limite humano chega ao seu auge, numa tentativa sobrehumana de conseguir sobreviver. Alguns relatos como o de uma menina de apenas 15 anos, grávida, que tentava passar na fronteira para conseguir comer e ter atendimento médico, pois estava desnutrida e anêmica, com problemas graves de saúde e sem qualquer possibilidade de ter medicação em seu país. Ao aguardar a mãe na fronteira para poderem seguir juntas, teve uma forte crise e seu organismo entrou em colapso devido à forte fraqueza . Um brasileiro se compadeceu de sua situação, acionou o sistema de saúde e a mesma venceu sua quase morte, salvou-se e salvou seu filho, mas se perdeu de sua mãe, que não sabe mais onde localizar. Em situação semelhante, a história de um homem que atravessou a fronteira juntamente com a esposa e filhos, passou a mendigar pelas ruas para dar de comer aos filhos e procurar emprego. Um brasileiro lhe promete um salário em troca de serviço em sua propriedade, e ele trabalha no sol e na chuva, haja visto que um filho estava muito doente e necessitava de uma medicação que já não tinha mais em postos de saúde e necessitava comprar. Na hora de receber seu salário porém, o empregador não lhe paga e ainda manda que ele saia de sua varanda onde dormia com os filhos para abrigar-se da chuva. Nesta noite dormem na rua e o filho doente entra em crise, é internado, não resiste e falece. Percebe-se a consequência dos pensamentos egoísticos dos seres humanos interferindo no aumento da desumanidade e crueldade. Pensar num mundo sem fronteiras, é ser grande, é ser universalista, é romper preconceitos, é ir sempre mais longe, é estar sempre aberto, é se envolver e nunca se omitir, pois para o mal perseverar, basta que os “bons” não façam nada. Ajudar essas pessoas a manter a saúde mental, a tomarem decisões ou simplesmente ajudar a pensar, como algumas me pediram, dentro da minha limitação humana e profissional de compreender a dor humana mais dilacerante, foi mergulhar num oceano profundo, às vezes conseguia enxergar algo a que me agarrar, outras vezes não e só me restava então respirar. Foram histórias de pessoas simples, sem estudos e na grande maioria de pessoas estudadas, que tiveram vida organizada e mesa farta e que jamais sonharam em passar pela situação em que se encontravam. Aí eu pensei, não sou Psicóloga, estou Psicóloga, pois todos aqueles profissionais que passaram pela minha “barraca consultório”, me ensinaram isso. Mas me ensinaram, acima de tudo, que nessa vida tudo é impermanente, menos a minha capacidade de compreender e amar.
Renata Valéria Brito Espíndola


“Venho lá do planalto central, terra de muitas gentes, de vários Brasis e sotaque incerto. Terra que acolheu várias mãos para poder nascer. Assim me senti aqui nessa nave “psicoesférica”-acolhida. Fui a última a chegar, quase aos 45’ do segundo tempo. “Saio” feliz porque ajudei o time a golear o adversário duro que se amontoa nos abrigos. Acredito que saímos de mãos dadas mais esperançosas de vencermos esse jogo difícil que é a vida.
A intensidade dos dias não cabe em palavras. Cabe na escuta compassiva e amorosa que pude oferecer às vozes tão doídas pela saudade e pela incerteza, aos corações que pulsam pela esperança de se refazerem e pela humanidade traduzida em tantos abraços.
Gratidão é o mote.
Gratidão a todos que viabilizaram essa oportunidade.
Gratidão a tantos que estenderam as mãos.
Gratidão pura e simples por tudo.
Que o Caminho para mais abraços e acolhidas seja largo, amplo, solidário e luminoso.”
Adriana Dornellas Coelho Duarte de Oliveira


 

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