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De Cumaná para Campo Grande:  o renascimento de Francisco em terras brasileiras

Em 2018, Francisco deixou a Venezuela para fugir da crise econômica e a escassez de alimentos, foi acolhido pelo projeto da FSF “Brasil, um coração que acolhe”, e com a ajuda de muitos corações fraternos conseguiu emprego e  se estabilizar no Brasil

Por: Alline Gois

O sol escaldante da estrada que liga as cidades de Pacaraima à Boa Vista estava repleta de venezuelanos que empreendiam viagem de encontro com o renascer de suas esperanças de ter uma vida melhor em território brasileiro. O fluxo imigratório é o maior êxodo da história recente da América Latina. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 4,7 milhões de venezuelanos já deixaram o país. Até janeiro deste ano, as autoridades brasileiras estimam que cerca de 264 mil venezuelanos vivem atualmente no Brasil.  

Em meio a estimativa sem rosto, Francisco Salazar aparece com seu sorriso que guarda a vitória de ter passado por tantos momentos difíceis até chegar ao Brasil. Ele deixou sua terra natal, Cumaná, em busca de um lugar seguro e de melhores condições de vida.  Os quatro salários mínimos que recebia trabalhando como policial e segurança dava para sustentar a esposa e a filha, de 4 meses, por apenas 15 dias. “ Só dava para comprar um saco de arroz, um frango e algumas verduras”, relembra Francisco.

A decisão de vir para o Brasil não foi fácil para ele, assim como não é para cerca de 500 venezuelanos que atravessam a fronteira todos os dias. Na cidade litorânea de Cumaná, Francisco, em suas horas vagas, trabalhava como segurança de conveniência, onde recebia todos os dias o almoço. O prato de comida, uma preciosidade em um país onde há escassez e inflação dos alimentos, era dividido com a esposa, que, naquela altura já sofria de desnutrição. “Eu ficava tão mal, que tinha que pegar meu almoço e levar para minha esposa, que estava com desnutrição, pesava 39 quilos. Eu já estava desesperado”, conta Francisco sobre um dos momentos mais difíceis da sua vida.

Foi aí que decidiu vir para o Brasil.  Vendeu seus pertences, deixou de concluir o curso universitário e colocou na mochila a esperança de encontrar uma vida melhor.

“Faltava uma semana para eu formar e decidi vir. E até difícil de explicar o que é estudar dois anos completos, quase três anos, e ter que largar tudo. Uma semana era vital, era pela vida ou morte da minha família”, com o olhar distante, um filme passa pela cabeça de Francisco.

Na sua mochila trazia apenas uns  poucos pertences de uma vida difícil que viveu na Venezuela, R$ 450,00 e a esperança de melhorar de vida para ter condições para sustentar a família. Foram mais de mil quilômetros percorridos de ônibus de Cumaná até Santa Elena de Uairén (cidade que faz fronteira com o Brasil), onde Francisco desceu e andou mais de 14km a pé até Pacaraima. Em 11 de março de 2018, já em território Brasileiro, passou um dia no Posto de Interiorização e Triagem de Pacaraima (PITRIG), local onde o governo brasileiro presta atendimento médico básico e regularização de documentos.

Após a regularização da documentação, da mesma maneira que outros venezuelanos, Francisco seguiu para Boa Vista. “Quando cheguei, vi que não conseguiu me comunicar com ninguém, eu tinha que correr atrás de um emprego. Não tinha emprego. Estava superlotado de venezuelanos nas ruas. Todo mundo no semáforo. Pelo menos eu tinha garantida a alimentação no projeto “Brasil, um coração que acolhe”, conta Francisco.

 Ainda sem conhecer o projeto, quando já entardecia em Boa Vista, e os portões do Centro de Acolhimento São Vicente II já estavam por fechar, ouviu-se a voz de Francisco: “Me deixa passar, não quero ficar aqui na rua”, exclamou. Após a longa jornada, ele foi acolhido com muito amor pela equipe que, hoje, é formada por 13 pessoas, e coordenado pelo FSF. É mantido com a ajuda fraterna de madrinhas, padrinhos e voluntários. A alimentação, portaria e segurança é feita com a ajuda do Exército Brasileiro, que também ajuda no Sistema Acolhedor (cadastramento para interiorização na Operação Acolhida).

Passados mais de dois anos, Francisco percebe que, ao adentrar no Centro de Acolhimento São Vicente, sua vida mudou completamente. As provações pela qual passou e o encontro com tantos corações fraternos mudou seus valores e a forma como vê a vida atualmente. Durante 15 dias, ele viveu nas casinhas do projeto. Saia cedo, antes mesmo do sol raiar. Quando o portão abria, ia para o centro da cidade tentar vender cheiro verde, voltava à noite, minutos antes do fechamento dos portões.

A luta para juntar dinheiro e tirar a esposa e filha da Venezuela o fizeram tomar uma decisão: Sair do Centro de Acolhimento e voltar às ruas. Francisco queria permanecer o maior tempo possível vendendo cheiro verde, café, bala e tudo o que podia para conseguir dinheiro. A decisão não foi um caminho fácil, assim como toda a sua trajetória. Nas ruas, sofreu humilhação, violência, dormiu no chão frio, foi roubado, passou dias sem conseguir tomar um banho e se alimentou com o que era possível: pão e salsinha, em várias refeições.

Nessa trajetória, ele se deparou com pessoas que deixaram más  e boas lembranças: ver um homem destruir sua mercadoria, mas no mesmo dia encontrar um bom coração que viu a cena e pediu ajuda para levar as sacolas de compra ao carro. Como forma de agradecimento, deu R$ 250 para que Francisco pudesse repor a mercadoria perdida. Foi com essa ajuda que ele conseguiu juntar o dinheiro necessário para trazer a família da Venezuela.

Depois que a esposa e filha chegaram ao Brasil, Francisco retornou ao Centro de Acolhimento São Vicente II para pedir ajuda. “Vi um cara que me chamou muito a atenção. Perguntei:  o senhor é o Wagner? ” .

Francisco voltou ao centro no dia que o presidente da FSF, Wagner Moura Gomes, estava no projeto. Na ocasião, explicou a sua situação e ouviu a voz acolhedora de Wagner: “Fica tranquilo, você pode vir aqui todos os dias, você vai ter ajuda, fralda, leite e assistência médica para a sua filha.  Vamos cuidar de vocês. Fica tranquilo que daqui dois meses você vai morar na minha cidade”.

Emocionado, num primeiro momento, Francisco não conseguia acreditar na promessa, até que, um mês e meio depois, conheceu um anjo, sua segunda mãe, como ele mesmo define. Era a voluntária Renata Espindola. “Ela nos conheceu lá no centro de acolhimento. Foi um dia muito abençoado para nós. Ela fez várias perguntas sobre o que eu sei fazer. Expliquei a minha especialidade, que era segurança, mas que também sabia trabalhar em construção. Aí, chegou uma outra pessoa que nos ajudou muito, a dona Alta”, relembra ele.

Renata e dona Alta foram os anjos de Francisco, que o acolheram com muito amor e carinho em Campo Grande, quando desembarcou em 27 de julho de 2018. “Quando descemos, a dona Alta já estava esperando a gente. Foi uma felicidade! Ela nos levou na casa que arrumaram para a gente”, conta Francisco.  

Aqui em Campo Grande, muito corações fraternos se uniram para dar toda a assistência necessária para a família recém interiorizada. “Foi muito legal que Deus tenha dado a oportunidade de conhecer essa pessoa. A Renata virou minha madrinha, minha tutora aqui. Ela me ajudou na adaptação, me ensinou como administrar meu dinheiro, como tinha que fazer as compras. Graças a Deus ela fez parte da minha adaptação aqui no Brasil”, explica. Uniu-se nessa corrente de amor ao próximo uma amiga de Renata, que ensinou a esposa de Francisco a falar português. Nas horas de folga, ela juntava o material e ia à casa da família para dar as aulas.

Esse trabalho lindo de amor ao próximo, de acolhimento e ajuda na reconstrução de uma vida nova no Brasil, é feito com muito carinho pela equipe do Centro de Acolhimento São Vicente II, considerado modelo de gestão e reconhecido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que nos convidou a assumir uma nova missão de amor: coordenar o Espaço Emergencial 13 de Setembro, que será inaugurado neste sábado (20). 

A FSF irá coordenar, de forma pioneira, uma ocupação emergencial (espaços públicos e/ou privados ocupados irregularmente) e irá acolher nossos irmãos venezuelanos que vivem nas ruas. Assim como no Centro de Acolhimento São Vicente II, a equipe prestará atendimento às famílias e todo suporte necessário para que possam se integrar à comunidade.

O Espaço Emergencial 13 de Setembro foi construído e será mantido, até dezembro deste ano, pelo ACNUR. A parceria permitirá que mais famílias venezuelanas sejam acolhidas com amor e a atenção necessária para recomeçarem a vida em território brasileiro, como o Francisco, que, hoje, está empregado e com a família em segurança.

Ao avaliar a importância desse trabalho em sua vida, Francisco se emociona. Com os olhos marejados, ele conta:

Eu tenho certeza que se vocês tiverem a oportunidade de abraçar a todos, vocês fariam. Definir a FSF em palavras, esperança seria a cara de vocês. Vocês representam a esperança do renascer de muitas pessoas, vocês são uma constelação de estrelas, muitas pessoas que fazem acontecer muitas coisas boas para quem precisa. Se fosse definir em números, seria um número infinito. Vocês fazem parte de um time de pessoas importante para o renascer e o crescimento das pessoas aqui no Brasil”.

Francisco, que compartilhou com muito carinho a sua história de superação e de luta por uma vida melhor, representa um de muitos irmãos venezuelanos que são obrigados a deixar seu país para, muitas vezes, não passar fome. Essas pessoas são acolhidas com muito amor no projeto “Brasil, um coração que acolhe” e por muitos corações fraternos que não medem esforços para ajudar. Como Francisco disse, vocês, voluntários, apoiadores, madrinhas e padrinhos são o renascer de muitas pessoas.

Para saber mais sobre o projeto “Brasil, um coração que acolhe”, clique aqui. E se você quiser se unir a nós nesse projeto de amor ao próximo e tornar-se padrinho, clique aqui.

 

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Emanuel Pizarro

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