A costura que cura a depressão e mata a sede de crianças na África
Por Maria Cláudia Miguel – jornalista voluntária
Laçarotes, sianinhas, moldes delicadamente traçados, tecidos e mais tecidos que, juntos, parecem infinitos na teia da amizade, vão ganhando forma de bonequinhas nas mãos de costureiras que tecem amor com agulhas e linhas.
O que ninguém imagina é que muitas dessas mulheres viram no precioso fio da generosidade a cura da depressão: arregaçaram as mangas e já confeccionaram 700 bonecas (a meta é chegar a mil).
As bonecas, chamadas Nanhani, que significa “menina” em Changana, um dos dialetos mais utilizados em Moçambique, estão entre as opções de presentes disponíveis do site da Organização Humanitária Fraternidade sem Fronteiras: https://www.fraternidadesemfronteiras.org.br/presentes/
O dinheiro arrecado com as bonecas será destinado para a Campanha Água África, que tem como meta a perfuração de poços artesianos para levar água limpa e em abundância às aldeias de Moçambique e Madagascar.
Em Campinas, no estado de São Paulo, no modesto ateliê carregado de panos e adereços, a simpática e atuante Dona Teka Benabou, uma das responsáveis pela atividade, conta histórias cerzidas com humor e amorosidade.
Dona Teka é tenaz, valente. Aposentada como modelista e estilista, sempre foi ligada ao voluntariado. Há cinco anos entrou para a Fraternidade sem Fronteiras pela porta do bazar beneficente da organização, em Campinas, quando surgiu a disposição de auxiliar costureiras voluntárias.
O interesse de novas integrantes, muitas com depressão, partiu de uma publicação em uma rede social com imagens das bonequinhas. A postagem recebeu perto de 20 mil curtidas. Muitos familiares com parentes sem perspectivas procuraram a internauta autora da façanha, na tentativa de que a dor fosse sucumbida pela “alegria de ser útil”.
Aliás, a própria Dona Teka confessa ter vivido uma experiência dolorosa quando ficou “sem chão”, diante da morte do marido, e foi “abraçada” pela Fraternidade sem Fronteiras.
Além da Internet, o contato com outras mulheres também se deu pelo bazar da Fraternidade. “Uma senhorinha começou a casear, outra a enrolar o cabelo das bonecas, outra a costurar, e assim, cada uma foi atuando como formiguinhas”, elenca Dona Teka, para logo refletir: “A logística divina é infalível”.
Atualmente, essa ação reúne aproximadamente 200 voluntárias divididas em coletivos por todo o País: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No estado de São Paulo, Dona Teka mantém contato regular com as equipes de Campinas, Americana, Valinhos, São Paulo e Paulínia, que reúnem, no total, cerca de 50 costureiras. “O trabalho não é meu. É muita mão amada que me ajuda”, diz, brincando com a gata Ruça, que se enrosca entre os retalhos.
“Nessa semana”, conta, “as equipes enviaram 130 mochilas e 400 escovários para o Malawi. Recentemente, foram 140 bonequinhas para Moçambique, sem contar os sapatinhos que ‘crescem’ com os pés das crianças”. Mais uma invenção genial das voluntárias.
“Falam da minha alegria de viver. Mas como não sentir? Temos tantas bênçãos diárias. Precisamos aprender a repartir para multiplicar”, diz, determinada, mostrando, como quem tira da cartola, um simples copinho de iogurte com a tampa decorada por pipa colorida e no interior, o jogo das 5 Marias. Memória de infância. Mágica.
Saio do ateliê de Dona Teka, por ela chamado de “palácio”, com a certeza que vi, bem de perto, a felicidade.
[…] A vontade de ajudar ao próximo estava por trás de uma necessidade maior, ajudar a si mesma. Ela começou o trabalho voluntário como uma possibilidade de cura para a dor da morte do marido. Para conferir a história de dona Teka em detalhes, clique aqui. […]